A cena reativou minha compaixão e a raiva ao mesmo tempo. Laurinha, quatro anos recém-feitos, é a minha sobrinha faladeira-falarosa-falafusa. Foi brincar num parquinho e lá estava outra menininha, mais grandinha que ela. Laurinha já se aproximou no galope, "oi, quer brincar?" e aí veio! Aquele silêncio, olhar de criança um tico de nada mais velha que olha para a menor com aquele desprezo tirado sei lá de onde. Voltei no tempo. Da escola, da adolescência, de um dia desses, bem dizer.
Laurinha insistiu no "ei, menina. Vamo brincar!", dando tchauzinho com a mão. E mais uma vez a menina-maior ignorou. Naquele momento, minha irracionalidade só pensava em ensaiar um discreto cocorote na cabeça da criatura e soltar um "eeeei, mermão, tá ouvindo ela te chamar pra brincar não?", mas antes de qualquer coisa Laurinha olhou pra mim e "ela não ouviu, tia Ligia".
Como não ouviu? A horrorozinha tava mermo ali do lado. Ela não quis responder, que sem noção... e lá ia eu viajando em mil ódios acumulados quando Laura me interrompe pedindo para que eu a ajudasse a subir no balanço. Gargalhando, as chinelinhas de plástico colorido enfeitando o ar. "Mais rápido, mais rápido", e tome riso e "mais rápido" e em dois segundos a negativa da guria maior sumia do horizonte. Evaporou-se.
Naquele dia entendi que precisava exercitar mais do olhar-de-Laura. De ter a valentia pra convidar o azedume pra dividir um brinquedo, uma conversa, um pensamento. Mas não sofrer com a negativa. Uma hora aparece no parquinho alguém do nosso tamanho. Que tem os mesmos mini-problemas que a gente. Problemas que podem ser piquiliquinhos (pequenininhos, na língua de Laura) e que justamente por isso vamos nos entender, por conseguir ver tudo da mesma altura. Sem disputa, só a besteira boa que é brincar junto.
Essa cena, numa tarde besta e gostosa de um café lá em Recife (ai, que saudade!) me recordou do quanto estamos no mundo de evitações. Tudo precisa ter um poder de síntese muito alto para que possamos manter o mínimo de contato: uma figurinha pra trocar no WhatsApp e nos damos por conversados. Concordar com tudo o que é dito, sob pena de não se enquadrar e ser chata. Só oferecer o lado que brilhe, pois a sombra nos pune. E, sabemos, as pessoas mais bem quistas são essas que não ofendem. Concordam, dizem amém e calam pra aguentar as buchas que pensam que precisam engolir pra ter companhia.
Fui essa pessoa, ainda sou mas já não suporto mais ser. Daqui do meu parque eu só quero fazer merminho que igual a Laura: brincar com quem me empurra mais rápido, mais alto, mais longe!