Pousada Rural: calmaria da 'Fulô da Pedra', na divisa entre PB & RN

setembro 14, 2020

Pandemia, medo, rotina alterada. Eu (e o resto do mundo, somente!) dormindo e acordando com incertezas. Na urgência de isolamento e vontade de escapismo, tudo o que eu queria era descansar o juízo num lugar silencioso e que eu não visse "um pé de gente". Foi quando olhando o Instagram achei a Pousada Fulô da Pedra, uma hospedagem localizada numa área rural que faz divisa entre os Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba. 

O lugar compartilha de uma ideia de turismo pela qual tenho aprendido a ter bastante apreço e respeito: um turismo que não seja predatório e agressivo com o cenário local (natureza e cultura), que não explore animais (passeio de charrete causando exaustão nos bichos pelo mero divertimento de turistas? Tô fora!) e que me aproxime ao máximo do clima do lugar. 

O que mais gostei da pousada é que não é um estabelecimento que precisa agradar clientes simulando espaços que não fazem parte do ecossistema do lugar, ou seja, enfiar uma piscina no meio do sítio, em pleno Agreste potiguar ou ter restaurante com cardápios pautados em gastronomia de outros locais ou construções com arquiteturas tão distantes do repertório de habitação local. 

Já no site da pousada somos convidados a pensar que tipo de turismo estamos escolhendo. Em um dos textos de descrição dos serviços e atrações, um trecho me chamou a atenção: não percebemos, mas somos muitos ruidosos e pra onde vamos levamos nossos barulhos e queremos que os outros nos ouçam. Gostei!

Viajar focando apenas no estar ali (sem a pressa de fazer mil programações ou tirar fotos em pontos turísticos) me aproximou de autonomias que o turismo tenta nos tirar em nome de um "conforto" ou de um "luxo". Lá tivemos autonomia para para cozinhar (há uma cozinha compartilhada), para caminhar (são 120 hectares de um espaço seguro, livre) e passear (guias existem mas não são invasivos nem "empurrados" na sua estadia). 

Os quartos possuem relativa distância um dos outros e destaco o café da manhã focado em produtos locais. Pães e bolos artesanais feitos pela dona da pousada (o bolo de rapadura estava docinho e fofinho na medida certa), geleia de manga fresquinha, suco da fruta e café passado na hora... tudo isso olhando para uma paisagem que nos dá a dimensão do quanto o mundo ainda é bonito (e grande!).

A caminhada até a Pedra do Lagarto para ver o por do sol (belíssimo!) te leva a uma vista linda e privilegiada. Uma trilha simples, que não oferece riscos e que pode ser feita de forma independente. Porém como era a primeira vez que estávamos lá e não sabíamos o caminho, acionamos o serviço de condução/guia da pousada (R$ 15,00 por pessoa). Quem nos conduziu até lá foi Teco, um jovem que apesar da pouca idade guarda uma sabedoria e uma calma invejáveis. Conversamos muito sobre natureza, passeios, estudo, espiritismo.

As dicas básicas são usar repelente e deixar o medo de rã em casa (essa parte aí fiquei devendo). A pousada disponibiliza mosquiteiros (o que é ótimo especialmente para quem viaja com crianças que tem algum tipo de alergia a picada de insetos, por exemplo). Sem TV, frigobar ou internet nos quartos e ar condicionado apenas em algumas das instalações, o lugar é feito pra você lembrar que está num sítio. 

Para quem preza por todos esses confortos urbanos (que são ótimos mas muitas vezes agressivos ao ambiente para onde são levados), recomendo hospedagens vizinhas (mais nessa pegada de "hotel" mesmo). A Fulô da Pedra é o que se propõe a ser: uma pousada campeira voltada para quem gosta de silencio e muita, muita tranquilidade.

Essa foi uma viagem que me fez pensar em que tipo de inteligência eu quero ser inteligente e comecei a pensar disso depois do passeio de cavalo (R$ 60,00 por pessoa) que fiz. Durante toda uma vida me acostumei a montar em cavalos amansados pela força da ignorância, que atendiam muito prontamente a puxada das rédeas pelo medo, dor ou incômodo que isso causa neles. Também tem aqueles cavalos que de tão explorados já sabem o caminho de ida e volta, são obedientes pelo cansaço, ou seja, uma mansidão forçada. 

Lá na Fulô da Pedra os cavalos e éguas passam por um processo de doma totalmente diferente, uma disciplina que não envolve violência. O proprietário ("Gil") tem no currículo uma série de cursos e treinamentos nessa área. Portanto, meu passeio com Alana (a égua) não foi fácil. Ela atende a comandos muito sensíveis, educados e eu lá toda bronca querendo puxar as rédeas por medo quando ela trotava. Resultado, ela ficou chateadíssima, com a cabeça bugada pela minha falta de tato com os comandos e a sorte que Teco (o condutor) me acompanhou no passeio e foi acalmando ela. Fiquei de voltar lá para reaprender a cavalgar. 

Não importa o quarto em que você fique, sempre haverá uma janela com uma paisagem linda! Todas as acomodações foram decoradas com material da própria fazenda, o que me fez voltar para uma infância de férias no sítio de vovô (que saudade). Os quartos tem varanda (com rede), mesinhas de apoio e vista para as pedras. 

Ah, e registro aqui um ato de gentileza que vi por lá: uma família que visivelmente exausta do isolamento da pandemia, pediu ao dono da pousada para liberar uma área de camping para atender ao pedido da criança da casa, que era acampar. Minha gente, a alegria que eu vi nessa criança ao andar pra lá e pra cá com a barraca, aquela necessidade inocente e pura de aventura, sabe? Muito fofo! (mas eles ficaram do oooooutro lado da pousada, distanciamento social: check!)


Um alerta importante: se for levar garrafas, latas & plástico, vá consciente de que é preciso levar um saquinho de lixo e voltar com ele. É que por lá não há coleta seletiva de lixo. Não é um local para encher a cara, falar alto, incomodar os outros hóspedes (ainda que estejam a metros e metros de distância). Intimismo e privacidade são as palavras então esteja preparada para aquela garrafinha de vinho à beira da fogueira (sim, todos os dias às 20h), com música baixinha e respeitando o descanso alheio.


A presença dos proprietários faz toda a diferença e tira todo aquele ar de "negócio" que ronda o turismo. Poder ouvir a história das pessoas que montaram a pousada e saber mais do próprio empreendimento é bom, inclusive pra confirmar algumas suspeitas: a pousada tem, claramente, o repertório de pessoas que já viajaram por várias partes do mundo e que aprendem a respeitar o positivo (natureza imponente, paz, silêncio) e negativo (escassez de água na região, chegada de turismo predatório ao redor). 

O sítio não força barra, é um sítio e ponto. Bom espaço para crianças (para correr, para se sujar, pra ver os bichinhos de perto), bom espaço para casais (ver estrelas enquanto se balançam na rede no frio da noite, delícia), bom para família, bom para quem precisa ficar sozinho ou sozinha.


POUSADA FULÔ DA PEDRA

Localização: Apesar de estar em terras do Rio Grande do Norte, a pousada fica bem próximo à Pedra da Boca (Araruna-PB). Trata-se de uma divisa entre Estados. Por isso você pode chegar por lá tanto através da cidade de Passa e Fica (RN) quando pela cidade de Araruna (PB). Ao chegar na Pedra da Boca, passa na frente do Restaurante de Seu Tico, por um Centro Espírita e segue direto. 

Mais à frente, acabando o calçamento, segue na estrada de terra e haverá uma bifurcação. Siga pela direita e busque pela placa, a entrada é bem discreta. Sentiu que está perdido? Aborde a primeira pessoa que estiver na estrada e pergunte pela "pousada de Gil" e tudo certo, vão saber indicar.

Contato: Gil (84) 98875-1279 ou Annica (84) 98888-5348.
E-mail: contato@pedradaboca.com.br 

Valores: Entre R$ 70,00 (preço do albergue) até R$ 225 (casal, quarto com ar-condicionado). A tabela completa de preços e especificações das acomodações pode ser vista clicando aqui

QUER FAZER TRILHAS? 
Dessa vez eu não fui em nenhuma trilha da Pedra da Boca (circulei apenas dentro da área dos 120 hectares da pousada e numa parte da estrada que dá acesso até ela) para evitar aglomerações. No sábado e domingo dava pra ver o movimento intenso nas pedras e trilhas, mesmo em estado de pandemia. Em uma postagem anterior (quando visitei a região em 2017) eu fiz um resumão dos passeios que podem ser feitos, desde caminhadas, trilhas e até um pêndulo (para os mais radicais). 
Tem tudo AQUI

Os passeios da Pedra da Boca são organizados por Seu Tico e Maciel. A indicação é buscar os dias de semana e reservando horários, primeiro por uma questão de respeito com a situação que vivemos (não aglomerar), segundo para garantir a sua segurança e saúde, bem como a saúde dos condutores de trilha. 


É isso & até a próxima viagem (e que seja tão isolada quanto).  🐝

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