Paraguai: um milhão no bolso, passeios e medo em Assunção

dezembro 10, 2017



Escrevo esse texto pensando na primeira (e talvez última) vez em que fui milionária: no Paraguai! Quando viajei pra lá (outubro de 2017) a cotação era tipo R$ 1,00 valia um total ₲ 1.701,31 ou seja, não foi difícil trocar o salário mínimo lá e ter muitos guaranis deixando a carteira cheia! Mas aviso logo que a sensação dá e passa rapidinho pois turismo lá tem dois extremos: ou é absurdamente barato ou caro de uma maneira sem noção.


E foi essa a dicotomia que carreguei durante toda a viagem, pois uma hora você está num país muito-muito pobre, machista, perigoso e atrasado e em outro momento está num lugar super moderno, cheio de gente gentil e super bem informada disposta a te ajudar em tudo... e tudo isso sem sair da mesma cidade! Sean muy bienvenidos à essa loucura, não esperem a viagem mais fácil do mundo e em especial para mulheres que vão sozinhas, o recado é claro: tomem tento no Paraguai! ;)


A primeira caminhada de 20 minutos do hostel ao centro me mostrou o quanto o lugar é machista. Tive a brilhante ideia de ir até a casa de câmbio (usem sempre a Câmbios Chaco!) usando shorts e além de cantadas podres, fui parada por uma senhora. Estava eu bem de boas usando fones quando escutei a gritaria de "Puta, puuuta" e eu toda com a mãozinha no peito e queixo caído fui olhar pensando "quem tá sendo esculhambada assim?" e pra minha surpresa, era eu mesma! Ela me xingou dizendo que eu deveria estar usando calças ou vestido longo. Receba!


Não sei se é porque estava hospedada numa área mais central feat periférica/de porto que potencializou isso, o fato é que foi assustador e só pensar isso e remeter esse comportamento ao espaço social e econômico do "não-turístico" me entristece. Durante todo o caminho fui abordada (não só eu, outras mulheres na rua também) e na moral, para uma primeira impressão foi péssimo. Voltei pra o hostel correndo e rezei para o calor dar uma amenizada (o que graças a Deus rolou) e nos outros dias só saí de calça e um vestido "composto".


Ao contar do meu medo ainda ouvi que eu deveria "dar o dedo" (o que cheguei a fazer), responder, revidar. Mas na moral? Minha "pompa" de empoderamento se perdeu ao me ver sozinha numa rua deserta e ser acuada por quatro homens buzinando e quase subindo na calçada com o carro e gritando baixarias. Eu me senti impotente estando em outro país, só queria mesmo correr e me sentir segura no hostel. Mas calma... tem um lado B do Paraguai, em especial de Assunção, que dá pra conhecer. Mas vale a dica: não é um lugar que eu indique para viajar só, especialmente para quem vai fazer isso pela primeira vez ou não domina o idioma direitinho. Taí, para uma primeira experiência do tipo "econômica e viajando só" indico muito mais Buenos Aires. É muito de boa! O Paraguai foi nó!


HOSPEDAGEM 
Viajei até a capital, Assunção, no feriadão de outubro. No ano passado havia visitado a Bolívia e queria ter um Dia das Crianças diferente, repetindo a mesma ideia de 2016. No Paraguai fiquei hospedada no El Nómada Hostel, que fica em Iturbe. O hostel tem uma localização muito boa, um café da manhã simples mas super decente e o ambiente é muito aconchegante, recomendo demais! De lá dá pra ir à pé para a Calle Palma, o famoso letreiro da "orla" de lá e tudo o mais. :)


É importante escolher uma hospedagem com localização boa pois, spolier: NÃO TEM UBER NO PARAGUAI! Lidem com isso e andem muito de busão ou achem alguém pra dividir táxi, foi o que eu fiz! Do Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi (que fica em Luque) até a porta do hostel eu paguei o equivalente a R$ 67 reais (um trajeto de aproximadamente 18km). A volta paguei uns R$ 10 a menos e o motivo? Simples, quem pediu foi o staff do hostel. Pois é, tem disso!

PASSEIOS
A primeira coisa que fiz foi matar a curiosidade e fazer o roteiro, a pé, da área central de Assunção. Na Bahia de Asunción parei em um dos pontos de apoio ao turista e fui perguntar o que tinha para fazer. A mulher disse que ali perto de onde eu estava não havia nada. Como assim? Saí de lá com um monte de papel que "vendia" passeios em shoppings e soquei tudo na bolsa, ignorei e fui caminhando pela orla. Achei um senhor que fazia passeios de barco. Boa! Paguei 20 mil guaranis e foi muito bom. Ele tinha muito mais senso de turismo do que o pessoal da prefeitura!


A impressão que tive foi a de que os paraguaios pensam sempre em mostrar "o que há de novo" na cidade e sentem vergonha do simples, do básico, do passeio de barquinho na baía. O passeio com esse condutor foi muito mais humano, conversamos muito e ele fugiu muito da postura de falta de informação dos centros turísticos que visitei. 



Fiz uma pausa para lanchar e fui no restaurante Casa Clari, que fica na Manzana de La Rivera. É um centro cultural muito bacana e lá rola de tomar um café, suco e provar a famosa sopa paraguaia, que em absolutamente nada lembra as sopas que tomamos aqui no Brasil. É uma espécie de bolo de milho e queijo, muuuito boa!


Depois bati o famigerado retrato em um dos pontos turísticos mais famosos da cidade, o Palacio de Los López, ou Palácio do Governo. Tentei ir para o bairro Loma San Jerónimo caminhando mas mais uma vez peguei o beco voltando por motivo de: muito inseguro. Tentei seguir caminhando mas uma mulher me esculhambou tanto na rua, mas tanto, que eu voltei desconfiadíssima. 


Depois que me liguei que era uma área de prostituição e ela entendeu que eu estaria tentando invadir algum cabaré e tomar o ponto dela e das colegas. Calma, amiga... depois de muito "puta" entendi o recado e voltei para o hostel. Agora percebam o vestido senhorinha que eu estava e o total de zero condições de ser quenga: 


Mais uma vez com medo de ser esculhambada na rua, vi que estava anoitecendo, me manquei e fui num shopping perto do hostel. Comprei tortinhas de vegetais e #PartiuQuarto, ficar recolhida em nome da moral e dos bons costumes pois no outro dia eu ia fazer um passeio (percebam que eu insisti mesmo nesse país e estava empenhada em levar belas lembranças, mas bora lá!).


CIRCUITO DE ORO 
Agendei o passeio (que custou oitenta dólares: sentiram aí a dor no peito pra uma pessoa lisa como eu?) com a empresa TerraNova, que é vinculada à Secretaria de Turismo do país. Eles tem uma oficina (escritório) na Calle Palma e a assistência é bem de boa, apesar de alguns atropelos eu indico. Estava com o pensamento firme de alugar um carro e fazer tudo só mas o primeiro dia no Paraguales me mostrou que não, pra turista quanto mais em bando você tiver, melhor! 


Então bora lá: o guia ficou de me buscar às 8h15 no hostel mas só chegou às 9h50 e à essa altura eu já estava cuspindo maribondo, mas entrei na van simpática e sorridente e por sorte havia uma turma animadíssima com um pessoal do Sul. Me enturmei e deu tudo certo!


O Circuito do Oro é um dos passeios mais tradicionais e conhecidos lá em Assunção. O trajeto inclui passagens por Capiatá, Itaguá, Itá, Yaguarón, Pirayú, Caacupé, San Bernardino, Areguá e Luque. Resumindo: é o dia inteiro rodando e conhecendo esses lugares e em cada um tem uma especificidade e potencialidade turística diferentes, que vão desde a produção de peças em cerâmica até gastronomia. 


De todas essas a que eu mais gostei foi San Bernardino, onde fica o Lago Ypacarai. Até fazer essa viagem eu não fazia a menor ideia da música Recuerdos de Ypacarai cantada por uma ruma de gente, inclusive pela musa Perla. O bom de viajar, pelo menos pra mim, é isso: esse convite a sair um pouquinho da ignorância e poder estudar e ler sobre os lugares, descobrir músicas e comidas diferentes... muito bom! 


Em San Bernardino é um pouco angustiante a sensação de ver um misto de riqueza e decadência. É que lá era um dos principais balneários de verão de todo o país, mas atualmente está bem abandonado. Na arquitetura de lá predominam as influências dos séculos XIX e XX, as casas imponentes e modernas também ganham espaço e um dos destaque é o Hotel del Lago, que já hospedou um monte de pessoas importantes, inclusive o escritor Antoine de Saint Exupéry. Abalaram!


Outro lugar bacana que visitamos foi o distrito de Itá, a laguna de lá é um dos principais atrativos e o que mais me chamou a atenção foi a quantidade de jacarés! A galera sai de casa com uma sacola de comida e vai lá bem de boa para o coreto dar comida a eles, com a mesma naturalidade com a qual jogamos milho aos pombos, simples assim!



PARQUE ÑU GUAZÚ + CARMELITAS
Esse foi um dos passeios que mais gostei! Um dia antes de ir para lá conheci Joseph Lonzoy, um peruano super gente boa que estava hospedado no mesmo hostel que eu e topou ir comigo de busão para um monte de lugar. Foi ótimo pois pratiquei muito do espanhol, economizei (as passagens de ônibus custavam em média de 2 a 3,5 mil guaranis) e de quebra tive uma companhia! 


O parque não tem nada de extraordinário, mas diante de tanto concreto-cidade eu me senti muito em paz lá. Inclusive é como se fosse o lado B de Assunção: a galera chega lá em carros super chiques, pessoal com acessórios e roupas bem modernas, eu não sei explicar ao certo mas era o oposto do "outro lado" da cidade que eu estava, inclusive no quesito segurança!


Para chegar lá pegamos a Línea 30, pertinho do hostel, e em 40 minutos estávamos chegando! Tem wi-fi funcionando direitinho, é limpo e parece uma realidade paralela se comparado a tudo o que se vê na área central, mais perto do porto.


Depois do parque fomos até o Paseo Carmelitas, que é tipo uma vila com várias opções de gastronomia. Nada muito regional, é mais fast food mesmo, mas é um dos lugares mais indicados pra quem quer "baladinhas", sair pra jantar e tal. Fomos comer no La Yaya Gourmet. A comida e sobremesa saiu por 74 mil pesos.

CINEMA, ZOOLÓGICO E TCHAU!
Além desses passeios visitei o tão famoso, recomendado, idolatrado, salve-salve Paseo La Galeria. É apenas um shopping, mas lá é tido como um santuário de tanto que o pessoal indica! Uma coisa que todo turista que gosta de mato, ecoturismo ou saídas mais "rurais" vai sentir em Assunção: a estranheza da população indicar apenas shopping como passeio! 


Mas enfim, lá fui eu e a pedida foi ir ao cinema. Acabei adorando pois saí me achando ao entender as legendas em espanhol, e o filme que eu assisti foi Los Buscadores. É um drama paraguaio, mas por ter muitas palavras em guarani tinha legenda em espanhol e adorei!


Antes de ir ao shopping eu havia visitado o Zoológico da cidade por pura falta de opção. Queria deixar o cinema e shopping "para mais tarde" e fui comer tempo indo até o Jardim Botânico e Zoológico de Assunção. Ai, que dor no coração ver bichos presos! Na moral, nem sei por qual motivo insisto em visitar lugar assim. Parei de frente para uma cela onde estavam macacos e deu agonia ver aqueles dois comportamentos: um deles de bracinhos cruzados, olhando pra o além e só respirando e outro desesperado, inquieto, batendo a cela inteira como quem procura um buraco pra fugir, um espaço que fosse entre os arames para escapar e sair dali o mais rápido possível... 


Fiquei angustiada. Era assim que eu me sentia, inúmeras e inúmeras vezes, quando me via presa a situações que eu achava que não podia sair nunca. Nem tirei foto dos bichos nem nada, preferi caminhar até a grama, respirar um pouquinho e depois ganhei uma carona de um guarda do parque até o shopping. :) 


No final das contas, o Paraguai foi uma grande lição. Não me arrependo de ter ido, aprendi muita coisa, mas ao mesmo tempo não sei se voltaria. Diferente das viagens mais recentes que fiz, percebo que por lá vi o que precisava ser visto e senti o que precisava ser sentido naquele momento. Não sei se tem um pouco a ver com a correria que foi para organizar tudo, ou o tanto de tarefas que eu estava fazendo ao mesmo tempo antes e depois da viagem (aulas, aulas e a cabeça na seleção de doutorado), mas eu senti que essa ida até lá me gerou muito mais a sensação de pensar e modificar situações do que propriamente ser uma viagem para "descansar". 


Pra essa viagem levei um livro de Galeano (Días y noches de amor y de guerra) e inúmeras vezes me vi grifando trechos e mais trechos... um deles, o que mais me incomodou e me definiu nessa viagem, foi "En mi pecho, plaza de toros, pelean la libertad y el miedo". 😊

É isso! Te digo 'chau' y mil gracias por todo

Veja também

0 comments