Os ladrões que pagaram R$ 17 mil para ver o mar
novembro 14, 2010
a melhor trilha sonora para essa história:
'My mama told me: Son, always be a good boy, don't ever play with guns.
But I shot a man in Reno... Just to watch him die.'
Desciam os três pela escada, tropeçando pelos degraus e com dificuldade porque estavam algemados uns aos outros. Foram levados para a sala do delegado de Roubos e Furtos, um dos policiais conseguiu deixá-los enfileirados, de modo que era impossível que não ficássemos fitando eles nos olhos. As câmeras estavam ligadas e apontadas para eles, os flashes fizeram o que estava no meio trincar os olhos, fazendo careta. No início ficaram um pouco envergonhados, especialmente quando foi colocado em cima da mesa o revólver utilizado no assalto. ‘De quem é a arma?’, o policial perguntava. Os três se entreolhavam, com um ar de riso que não era comum naquele ambiente.
Por fim, o mais velho, que tinha 30 anos, levantou a cabeça: ‘É meu, comprei na feira de Gado por R$ 450 conto’, e os outros dois riram disso como crianças, meio de lado. Um deles tentou evitar, querendo cochichar ‘Não diz onde foi não, otário, diz não!’. O moreno era manco, ‘fiquei assim depois de uma queda de bicicleta’ e só nos olhava com olhos semi-cerrados. Uma das repórteres fez a pergunta que seria o motivo das gargalhadas mais gostosas, deles, é claro. ‘Afinal, vocês usaram esses R$ 17 mil roubados de um gerente de Posto de combustível para quê?’, e então veio a resposta mais inocente e forte daquela tarde, como se os três, juntos, estivessem socando o meu estômago e me fazendo cócegas ao mesmo tempo. Aliás, essa foi a minha sensação depois da reposta deles: dor, alívio, riso e dor novamente.
‘A gente usou o dinheiro para viajar, ir para a praia, essas coisas’, assim, simples como você trabalha para comprar um tênis novo ou como o seu pai se esfola para pagar a sua faculdade. Assim como todo mundo tem um desejo, um sonho, uma vontade, aqueles três homens também tinham, e naquele dia era viajar e para isso assaltaram o gerente, dividiram o dinheiro entre si, aproveitaram e uma semana depois foram presos, qual o problema? Mas foram ver o mar, mas tiveram a vontade feita, mesmo que isso custasse um natal longe da família, que rendesse mais um ‘selo’ nas suas fichas, que o artigo 157 e mais quantos coubessem na ficha criminal fossem estampados. Aliás, a preocupação com as festas de final de ano foi bem lembrada por eles porque ao final da entrevista, um deles se voltou para uma das câmeras e disse que queria deixar um recado.
A repórter olhou para o cinegrafista, ele respondeu de ombros como quem diz ‘deixa, talvez isso seja cortado na edição mesmo’, e ela cedeu: meteu-lhe o microfone nos beiços e o homem começou o discurso: ‘Eu queria deixar um recado para o apresentador, e dizer (e nesse momento ele começou a rir e olhar um pouco para baixo) que esse é o quarto natal que eu passo na cadeia. Por favor, mande um pedacinho de bolo pra mim, valeu’ e os três, que dali iam direto para o presídio, caíram na gargalhada. As câmeras se desligaram, os fotógrafos foram embora, a sala ficou um pouco mais escura.
Todo mundo saiu e só ficaram eles três, o delegado, e eu, ainda dura e boquiaberta diante deles. ‘Tchau, até mais’, um deles me disse, como quem me avisa da hora de sair dali. Foi então que eu ri um pouco de lado, sem acreditar, e fui embora, querendo ver o mar também...
1 comments
Gostei muito Lígia, parabéns mesmo.
ResponderExcluirDeu me até saudade de ir a praia agora :D